PLING PLING

Todo projeto é um pouco um cubo branco (mas não é)




Pensar um projeto, independente do tamanho, é um processo onde sei que vou me deparar com o desafio de absorver uma montanha de outros projetos já construídos, memórias dos lugares por onde trabalhei e as trocas com todos que já colaborei, para então passar por um período de assentamento dessas ideias todas que pairam, para selecionar aquelas que fazem sentido. O processo sempre passa por esta antessala mental e temporal, uns mais outros menos, é verdade, mas o projeto sempre se desenha por aí, comer, processar e regurgitar uma ideia, um desenho, um detalhe. Que faça sentido.



Penso no texto de Brian O' Doherty, Inside the White Cube: The Ideology of the Gallery Space de 1986, onde as galerias de arte são comparadas (criticamente) às Igrejas Medievais, construídas para imergir o fiel dentro do espaço sensível, descolando-o do mundo exterior a partir da ruptura entre o ser e o espaço, como se arquitetura abrisse caminho para a conexão com o divino. São as galerias de arte estes espaços imersivos, com pé-direito alto, luzes neutras, paredes brancas, onde "A obra isolada de tudo o que possa prejudicar sua apreciação de si mesma." é colocada enquanto objeto puro de percepção e desejo.



E daí, retomo ao pensamento de projeto, onde tudo começa de um arquivo em branco per si. E lembro das referências fundamentais que tive, onde me deparar com um apartamento vazio ou uma casa cubo, era pensar como dotar de sentido uma arquitetura que se explicava por um conceito imaterial, impalpável, como o desenho da luz. E daí entender que para apreender o que é tangível a esses espaços, era necessário pensar esses lugares sem a desconexão com o mundo exterior, buscar a tradução dessa "coisa" às vezes discreta, às vezes poderosa, que atravessa a arquitetura. Buscar continuamente este encontro, conexão, entre o invisível e o que se desenha no terreno, no arquivo em branco, no apartamento vazio.




"21. A percepção de ideias leva a novas ideias"



Entre encontros e desencontros, neste último projeto nos deparamos com este lugar da materialidade de um cubo branco, que por partido, assim deveria permanecer. E este lugar de desejo, onde as obras teriam seu lugar antes de sequer pensar o lugar, geraram um ruído desconfortante entre a ideia do espaço e este modo de pensar onde desenhar é também colocar sentido na materialidade de um lugar zerado. Gosto demais de pensar na pílula de arquitetura de Hans Hollein, que compacta o ambiente não-físico. Toma pílula e desenha.



"24. A percepção é subjetiva"


E foi se desenhando num cubo branco, os sentidos. Pensamos neste lugar de desejo o suporte dessas conversas e atravessamentos entre as artes e o desenho. E talvez, intuitivamente, essa conversa virou uma subversão corajosa e ao mesmo tempo intimista, de desenhar um espaço dentro de outro, uma imersão dupla, num lugar onde se preza a conexão permanente com o exterior mas também permanece como um portal sedutor, que convida a imensidão em alguma coisa, ou muitas. E essa impermanência de sentido é assim mesmo, algo que lembra um convite à meditação, mergulho num silêncio que leva onde se deve ir.



"29. O processo é mecânico e não deve ser adulterado. Deve seguir o seu curso."

Cildo Meirelles apresentou Pling Pling pela primeira vez na Bienal de Arte de Veneza de 2009, ajustada entre os pilares gigantes do Corderie do Arsenale e refeita anos depois em São Paulo na Galeria Luisa Strina. A instalação gigante era este espaço dentro de outro, um cubo branco preenchido por salas monocromáticas, iluminadas por uma luz neutra e difusa, que não interferiria nas cores, e uma tela de canto que exibia a mesma cor da sala e às vezes, a cor complementar. A imersão no cubo colorido era esta abertura quase espiritual para que qualquer visitante sinta qualquer coisa, que provoca a imprevisibilidade neste trânsito entre salas (e cores). Deveria esta sensação do inesperado permear o desenho de projeto.


O cubo branco com cubo verde que se abre para o cubo azul. E cada pedaço deste todo foi se ajustando às demandas técnicas e usuais de um apartamento e às conversas imaginadas entre as obras de artes que deveriam partir deste diálogo entre elas e o desenho. E achamos um verde que era o verde de Rubem Valentim, um azul que envolve um torso molhado de Alair Gomes, azul que respinga na gravura de Adriana Varejão, que divide uma não-cozinha, uma pia de granito engastada numa parede contínua, sem fundo, com uma gravura de Burle Marx. E o projeto foi conversando também com todas essas referências visuais e sensíveis.


E seguimos produzindo na impermanência das ideias, que levam à outras e outras, e outras mais.

Referências

No interior do cubo branco: A ideologia do espaço da arte. Brian O’ Doherty

Sentenças sobre a arte conceitual. Sol LeWitt

“Imersão em Cor - Galeria Luisa Strina apresenta novas obras do celebrado artista conceitual Cildo Meireles e a grande instalação Pling Pling, mostrada na Bienal de Veneza de 2009”. Marion Strecker (Revista Select, 2014)


Apartamento
Lusco-Fusco



O que cabe em 24m2? 


No Studio São Judas, lidamos com um ambiente comprido e estreito que deveria ser o novo lar de apenas um morador, um artista visual. Nele setorizamos o ambiente a partir da marcenaria, que na entrada acomoda um armário estreito para utensílios rente à parede e acomoda a os utensílios que fazem a cozinha. Um elemento de transição, a mesa, divide os espaços a partir de sua própria materialidade, o branco e a madeira. Adiante, um grande móvel faz a estante de TV, os lugares de armazenamento, o guarda-roupas e a cama. A cama retrátil no móvel libera o ambiente quando não é utilizada e permite um generoso espaço para fazer yoga na janela, exigência do morador.
Lusco-Fusco é um apelido para um projeto onde os pontos de luz indireta criam diferentes ambiências, como num céu da tarde.

projeto com Gabriel Villas 

︎ Camila Alba

SÃO JUDAS, SP - 2021